terça-feira, 26 de outubro de 2010

Tipificação do milagre em Mc 7,31-37

(cura do surdo-mudo)


«31Tornando a sair da região de Tiro, veio por Sídon para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32Trouxeram-lhe um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33Afastando-se com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. 34Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. 37No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»


À parte a rapidez da acção («tornando a sair…, veio por … para …, atravessando o território…»), verificamos uma estreita ligação dos locais onde Jesus esteve ou passou, contidos neste episódio, com a sua linhagem. Um desses locais foi Tiro, cidade portuária «de uma beleza perfeita» (Ez 27,3), que ficou mais famosa quando David contratou construtores de barcos para a edificação do seu palácio real (2 Sm 5,11) e Salomão para a construção de um templo (1 Rs 5,6-18).

Alguns especialistas afirmam que a razão de Jesus estar fora da do território da Galileia se deve ao facto de Ele querer um pouco de tranquilidade para se dedicar à formação dos discípulos e, assim, evitar a hostilidade dos inimigos por algum tempo. Por sua vez, também lhe permite anunciar a salvação aos pagãos.

Quanto ao episódio, só Marcos é que narra esta cura. Não deixa, por isso de ser menos importante. Pelo contrário, esta cura foi anunciada pelo profeta Isaías (35,4-6). Deus vem em pessoa salvar e, então abrirá os olhos aos cegos, o ouvido aos surdos, fará os coxos saltar e a língua dos mudos dará gritos de alegria. Aqui, a multidão deseja ver a profecia acontecer. Mas, Jesus prefere realizar a cura no escondimento. Este velar da cura é apenas para o povo, porque o narrador pormenoriza cada gesto de Jesus. Talvez, por ser um episódio não sinóptico terá uma carga expressiva maior, com direito a tradução da expressão hebraica. Há nitidamente uma cumplicidade do narrador ao facultar-nos tanta informação. Neste evangelho não encontramos muitas curas e quando aparecem colocam Jesus a fazer o milagre «de mãos no bolso». Mas aqui, vemos um Jesus de «mãos arregaçadas», e literalmente mete mãos à obra. E «faz tudo bem feito». E encerram-se, assim, as dúvidas da possível teatralidade na cura.

Abeirar-se

Trouxeram-lhe um surdo tartamudo

Pedir a cura

Rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele

Vencer o obstáculo

Afastando-se com ele da multidão

Tocar e pronunciar palavras

Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.»

Efeito

Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente.

Reacção

Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»


Este episódio, como já referimos, pretende desvelar Jesus, mas somos sempre mandados calar. Isso acontecerá até ao final do Evangelho. O «segredo messiânico» irá percorrer todo o evangelho, para que percebam que o Messias terá de sofrer e morrer para exercer gloriosamente a missão a que foi chamado.

Não deixa de ser curioso que a mesma expressão aramaica que Jesus usa («Effathá») se mantenha hoje no ritual do Baptismo de Adultos[1].


[1] Ritual Romano, Iniciação cristã dos adultos, 28 edição, Coimbra (1995), nº 26.



Sem comentários:

Enviar um comentário