quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Jesus e o Sábado: Analise da sequência de Lc 6, 1-11

1Num dia de sábado, passando Jesus através das searas, os seus discípulos puseram-se a arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos. 2Alguns fariseus disseram: «Porque fazeis o que não é permitido fazer ao sábado?» 3Jesus respondeu: «Não lestes o que fez David, quando teve fome, ele e os seus companheiros? 4Como entrou na casa de Deus e, tomando os pães da oferenda, comeu e deu aos seus companheiros esses pães que só aos sacerdotes era permitido comer?» 5E acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor do sábado.»

6Num outro sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar. Encontrava-se ali um homem cuja mão direita estava paralisada. 7Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele. 8Conhecendo os seus pensamentos, Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e põe-te de pé, aí no meio.» Ele levantou-se e ficou de pé. 9Disse-lhes Jesus: «Vou fazer-vos uma pergunta: O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê-la?» 10Então, olhando-os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.» Ele estendeu-a, e a mão ficou sã. 11Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus.

ANALISE DA SEQUÊNCIA

A presente sequência do Evangelho de Lucas, composta por dois micro-relatos, coloca-nos perante a posição de Jesus em relação ao sábado, que é uma das rupturas de Jesus com a sociedade judaica, e, muito concretamente, a forma como os contemporâneos de Jesus o viviam. Estamos diante de uma sequência porque temos uma continuidade no tempo, ambos os micro-relatos passam-se num sábado. Temos as mesmas personagens: Jesus, os discípulos, os fariseus, em ambos os relatos, no segundo micro-relato são introduzidos os doutores da Lei, o homem que tinha mão direita paralisada e, implicitamente, os que na Sinagoga ouviriam o ensino de Jesus. O tema, que é o eixo da sequência e a sua razão de ser, é o mesmo, a atitude de Jesus perante o sábado.

Este passo do Evangelho de São Lucas coloca-nos perante uma intriga de revelação de revelação, na medida em que nos é revelado a atitude de Jesus perante o sábado e a consequente ruptura com a tradição farisaica.

De facto, já no inicio do ministério Jesus cura ao Sábado (Lc 4, 31-36, na Sinagoga em cafarnaum, logo após a sua apresentação na Sinagoga em Nazaré; Lc 4, 38-41, a cura da sogra de Simão e de outros doentes e possessos), mas aí de forma discreta, sem se enunciar explicitamente o conflito aí existente com a tradição judaica. Aqui, Lc 1, 6-11, esse conflito é explicitado.

No primeiro micro-relato, que começa por nos dizer que estamos «num dia de sábado», os discípulos de Jesus (chamados por Jesus a segui-lo há pouco tempo em Lc 5, 1-11. 27-32) «puseram-se a arrancar e a comer espigas, desfazendo-as com as mãos», o que não era permitido fazer ao sábado, como o fizeram notar alguns fariseus ali presentes. Jesus interveio remetendo para o facto de David (o grande heroi da historia de israel e figura impar para o judaismo) também ter, depois de ter entrado na Casa de Deus, comido e dado aos seus companheiros os paes da oferenda, que só aos sacerdotes era permitido comer. E acrescentando que o « Filho do Homem é Senhor do sábado». No entanto, embora Jesus já se tivesse identificado como Filho do Homem (Lc 5, 24, aquando da cura de paralitico) não temos ainda uma sobreposição explicita do proprio Jesus sobre o sábado, sem margem para dúvidas, em ruptura com os fariseus. Isto é feito no segundo micro-relato desta sequencia, que comentaremos após a aplicação do esquema quinário sobre este.

APLICAÇÃO DO ESQUEMA QUINÁRIO SOBRE LC 6, 6-11

6Num outro sábado, entrou na sinagoga e começou a ensinar. Encontrava-se ali um homem cuja mão direita estava paralisada. 7Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele. 8Conhecendo os seus pensamentos, Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e põe-te de pé, aí no meio.» Ele levantou-se e ficou de pé. 9Disse-lhes Jesus: «Vou fazer-vos uma pergunta: O que é preferível, ao sábado: fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou perdê-la?» 10Então, olhando-os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.» Ele estendeu-a, e a mão ficou sã. 11Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus.

1. Situação Inicial:

“Num outro sábado, entrou na sinagoga (…) Encontrava-se ali um homem cuja mão direita estava paralisada”

2.

“ Os doutores da Lei e os fariseus observavam-no, a ver se iria curá-lo ao sábado, para terem um motivo de acusação contra Ele.”

3. Acção Transformadora

“Conhecendo os seus pensamentos (…) salvar uma vida ou perdê-la?»

4. Desenlace

«Então, olhando-os a todos em volta, disse ao homem: «Estende a tua mão.»

5. Situação Final

«Os outros encheram-se de furor e falavam entre si do que poderiam fazer contra Jesus»

Com aplicação do esquema quinário a esta sequência percebemos aqui duas intrigas. Uma, o homem que tinha a mão direita paralisada. A outra, a intenção dos doutores da Lei e dos fariseus de apanharem Jesus a curar a um sábado, uma violação da Lei, para terem motivo para acusar Jesus. A primeira é uma intriga de resolução, como mostra Jesus curando o homem. A segunda é de revelação, na medida em que revelará a atitude de Jesus perante a intenção dos fariseus. Ao curar o homem Jesus revela aos fariseus que para si ao sábado é preferível fazer o bem e salvar uma vida, a fazer o mal e perder uma vida. Ademais, Jesus não se escusa ao confronto com os fariseus.

AS PERSONAGENS

As personagens deste texto são Jesus, o homem com a mão paralisada e os doutores da lei e os fariseus, os discípulos, e os que ouviam o ensino de Jesus na Sinagoga.

A personagem principal é Jesus. É uma personagem singular. É também uma personagem redonda pela acção que exerce na história. É uma personagem empática para o leitor, pelo fascínio que exerce sobre nós, pois coloca o bem dos homens, aqui na pessoa dos discípulos e do homem que tinha a mão direita paralisada, acima da Lei.

Os discípulos são uma personagem colectiva. São uma personagem adjuvante na medida em que estão do lado de Jesus. Não exercem uma acção explícita na história, embora seja a partir da acção deles que os fariseus questionam Jesus, e sejam certamente focos da acção de Jesus. Mas consideramo-los aqui, nesta sequência, personagens planas, na medida em não nos é dito nada sobre uma acção concreta exercida por eles, ou sobre eles.

O homem com a mão paralisada é uma personagem singular e redonda, pois é transformado pela acção de Jesus, que o cura da sua enfermidade. É uma personagem simpática para o leitor, pois compreendemos o seu sofrimento e sentimos simpatia por ele.

Os doutores da Lei e os fariseus são personagens colectivos, que no segundo micro-relato nos aparecem englobados. São também personagens redondos, quer pela acção que exercem na sequência: no primeiro micro-relato motivam a resposta de Jesus sobre a sua senhoria sobre o sábado pois deixam a sinagoga irados e combinando entre si o poderiam fazer contra Jesus, por causa do seu gesto. Ou seja, é aqui assumido uma clara ruptura entre os fariseus e Jesus. A partir desta sequência e, particularmente, do seu final, percebemos que são opositores de Jesus. Os fariseus no primeiro micro-relato ainda nos aparecem como simpáticos, vem questionar Jesus sobre a conduta dos seus discípulos, não nos sendo dito nada sobre as suas motivações. No segundo micro-relato, já ao lado dos doutores da Lei, já são para o leitor personagens antipáticos, pois logo no versículo sete é dito que estavam ali para observavam Jesus, a fim de se Jesus curasse o homem que tinha a mão direita paralisada tivessem «um motivo de acusação contra Ele» (Lc 6, 7).

ENQUADRAMENTO DA SEQUÊNCIA NO TEMPO E NO ESPAÇO

O espaço destes dois episódios é na Judeia. No primeiro micro-relato, versículos 1-5, acontecem numas plantações, o segundo, versículos 6-11, numa sinagoga, passando-se portanto numa povoação, talvez mesmo uma cidade. Em termos arquitectónicos, o facto do segundo micro-relato se passar numa sinagoga traz impacto ao que lá acontece. Pois, como dissemos atrás, no segundo micro-relato Jesus sobrepões, pela sua valorização de um bem último, ao sábado. Ora, sendo o sábado o preceito fundamental do judaísmo e de valor essencial para os fariseus, a oposição por parte de Jesus à forma como este era vivido pelos seus contemporâneos e a defesa de uma relativização deste preceito do judaísmo diante de um bem maior, só confere mais uma densidade ainda maior ao momento.

O tempo deste episódio é contado de cronológica, é dito que ambos os episódios aconteceram ao sábado. A forma de manipular o tempo utilizada pelo evangelista é a pausa, pois ele encandeia no mesmo passo do evangelho o aconteceu em dois sábados.

Sem comentários:

Enviar um comentário