quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Esquema quinário de Mc 2,14

«14E, passando, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na recebedoria, e disse-lhe: Segue-me. E, levantando-se, o seguiu.»

Neste excerto do Evangelho de Marcos (2,14) aplicamos o esquema quinário para melhor percebermos o que o autor bíblico nos pretende transmitir. Logo no início do relato deparámo-nos com a itinerância de Jesus. Ele vem «passando», de algum sítio para outro. Não nos é referido qual. E nem é essa uma questão central, mesmo sendo Marcos o que coloca Jesus em locais muito diversos num curto espaço de tempo. A subtileza com que o episódio refere o homem que Jesus “viu”, é apanágio de quem o conhece e/ou reconhecido, já que se refere que é “filho de Alfeu”. Conhecer o nome já é coisa grande, mais ainda saber qual a sua proveniência.

Considero que neste versículo temos um nó duplo, primeiro a atitude de estar sentado, em oposição caminhada que Jesus estava a fazer, que depois usaremos como argumento para o levantar-se na fase de desenlace. O segundo nó é a referência à sua função de cobrador (de impostos). Tal como nos dias que correm a questão das finanças é sempre motivo de desagrado. Mais ainda quando os impostos vão para os seus dominadores políticos. E como era costume, por não receberem salário, os cobradores aplicavam percentagens extra aos impostos que revertiam a seu favor.

No meio deste emaranhado Jesus lança-lhe um convite (“Segue-me”). Esta é a acção transformadora. Não houve discussão contratual ou dúvida quanto à força do convite. Podemos imaginar apenas a expressão e o impacto que este “Segue-me” teve em Levi, que se levanta. Dando o quarto passo do nosso esquema e contribuindo para que o verbo em discurso directo seja o mesmo em discurso indirecto. Ao olharmos para os 3 últimos verbos, notamos uma reciprocidade: seguir/levantar/seguir. Este é um bom exemplo da forma como Marcos nos transmite a Boa Nova de Jesus. Neste escritor bíblico encontraram-se outros exemplos, deste «efeito boomerang». Outra característica, que também é comum noutros textos de Marcos, é a sua velocidade narratória, com pouca discrição. Abre-se assim ao leitor as portas à recriação cénica do episódio, as suas expressões faciais, como o espando, a resposta imediata sem olhar ou matutar nos aspectos mais comuns da própria personagem.

Recontar o evangelho de Marcos é dar um grato contributo à Teologia Narrativa.


Esquema Quinário

Mc 2,14

Situação inicial

E, passando, viu Levi, filho de Alfeu,

sentado no posto de cobrança

Acção transformadora

disse-lhe: Segue-me.

Desenlace

E, levantando-se,

Situação final

seguiu-o.


uma narrativa com Lucas [Lc 14,1-6]

Alguns elementos da intriga

Debrucemos o nosso olhar para este relato bíblico de Lucas. Nele somos presenciados por uma narração que situa o leitor no meio de um banquete e, convidando-o a enquadra-se na problemática suscitada por Jesus, o leva a acompanhar a mudança de “olhares” realizada naqueles convivas. Estamos a um “certo sábado”, na “casa de um dos chefes dos fariseus”, onde se encontravam Jesus, legistas, fariseus e um hidrópico, em que o tema inicial desenhado pelos diálogos é saber se é lícito ou não curar ao sábado.

Esquema Quinário - sua aplicação e explicação

  • Situação inicial - Lc 14,1

Encontramos neste versículo um verdadeiro “pórtico de entrada” para esta narração. Nele encontramos o dia, o lugar e as personagens que inicialmente se encontram naquele banquete.

  • - Lc 14,2

Eis o porquê desta narração. É a presença deste homem que desencadeará a interpelação vital de Jesus aos que com ele se encontram e o consequente milagre, que aqui funcionará como resposta.

  • Acção transformadora - Lc 14,3

“É lícito ou não curar no sábado?” O debate está lançado e uma pergunta destas só pede uma coisa, a resposta, e ainda por cima era sábado. De facto, esta pergunta, aliada à presença daquele homem, conduz os interlocutores de Jesus a procurarem uma resposta, a procurarem argumentação, a rever as suas posições gerando uma autêntica acção transformadora.

  • Desenlace - Lc 14,4-5

Aqui encontramos a resposta a tão grande interpelação. Por um lado, é o silêncio de quem não se quer comprometer, por outro lado é a cura do hidrópico e uma nova interpelação que justifica este acto.

  • Situação final - Lc 14,6

“Diante disso, nada lhe puderam replicar”. É a confirmação e o reconhecimento da acção de Jesus, e a resposta ao problema de curar ao sábado.

Descrição das personagens

  • Jesus

Jesus apresenta-se como a personagem principal da presente acção, o verdadeiro convidado de honra deste banquete, que assume um lugar de destaque onde todas as atenções se centram.

  • Hidrópico

Este homem é uma personagem adjuvante. Sendo o beneficiário do milagre e, apesar de adoptar um papel secundário na narração, é por ele que Jesus faz os interlocutores compreenderem que o amor ao homem está a cima das limitações da lei.

  • Legalistas e fariseus

Estes comensais, que estavam com Jesus na casa de um dos chefes dos fariseus, são as personagens que ouviram a questão levantada por Jesus e, com o desenrolar da situação, se encontram com os olhos e ouvidos abertos aquilo que Jesus lhes diz e mostra. Se num segundo momento estes homens ficaram mergulhados num silêncio sem argumentos, isto demonstra que se verificou, se não uma mudança das suas posições, pelo menos um questionar das suas concepções legais e doutrinais. Assim, estes homens comportam-se como personagens redondas da acção.

Qualificação da intriga

Perante este desenvolvimento e desenlace narrativo apresentado pelo autor, compreendemos que estamos perante uma intriga maioritariamente de revelação. De facto, o modo como ela termina traz uma nova compreensão do Sábado, da dignidade e valor homem sobre as leis, aqueles convivas reunidos na casa daquele fariseu. A cura cura operada por Jesus é a afirmação disto mesmo e a resposta reveladora à questão suscitada: “é lícito ou não curar no sábado?”

"na sequência" de Lucas [Lucas 4,31-43]

Ao lermos a grande narrativa que são os Evangelhos, nele encontramos pequenos episódios (ou micro-relatos) que, por vezes interligados por um tema, um espaço, ou um protagonista, oferecem ao leitor atento pequenas sequências. Lucas 4,31-43 poderá ser um exemplo que isso mesmo nos ilustra.

Observando atentamente o passo referido poderemos encontrar cinco micro-relatos que, vistos conjuntamente, oferecem ao leitor o ministério de Jesus em Cafarnaum e o início da sua pregação por toda a Judeia. Esta sequência começa com um pequeno episódio na sinagoga de Cafarnaum. Aí o nosso protagonista, Jesus, é confrontado por um homem possesso e, revelando a sua autoridade sobre os demónio, o cura (cf. Lc 4,33-35). Fica em aberto neste episódio a identidade de Jesus e a fonte da sua autoridade (cf. Lc 4,36). Entretanto, enquanto a fama de Jesus é espalha pelas redondezas, Ele dirige-se para a casa de Simão Pedro, onde cura a sua sogra (cf. Lc 4,38-39). Como esta movimentação espacial e temporal de Jesus estaríamos na presença de um segundo micro-relato. A sequência prossegue num terceiro micro-relato onde, já ao anoitecer, vêem ter com Jesus diversos doentes e possessos pelo demónio a quem Ele cura (Lc 4,40). É então que a resposta aquela questão anteriormente criada na sinagoga surge. Jesus é revelado pelos demónios pelo título messiânico de “Filho de Deus” (Lc 4,41). É a afirmação clara de uma continuidade temática que apesar, da mudança da acção, quer no espaço, quer no tempo, torna clara a presença de uma sequência narrativa neste passo de Lucas. Poder-se-á dizer que a sequência prossegue, agora em jeito conclusivo, através de dois últimos micro-relatos. Um compreendido na deslocação de Jesus, ao outro dia pela manhãzinha, para um lugar desértico (cf. Lc 4,42). Outro ilustrado no encontro de Jesus pela multidão que o procura reter, mas à qual Jesus, o “Filho de Deus”, manifesta a vontade de espalhar a Boa Nova do Reinado de Deus por toda a Judeia (cf. Lc 4,42-43).




Lc 4,33-37

Lc 4,38-39

Lc 4,40-41

Lc 4,42

Lc 4,42-43

tempo



ao pôr-do-sol

amanhecer


espaço

Sinagoga

casa de Simão Pedro


lugar deserto


personagens

Jesus, homem possesso, outros homens

Jesus, sogra de Pedro

Jesus, doentes, demónios

Jesus

Jesus, multidões

tema

cura de um endemoninhado

Cura da sogra de Pedro

diversas curas


multidões queriam rete-lo consigo, mas Jesus quer pregar pelas sinagogas da Judeia

Uma história a três vozes (Mt 8,23-27; Mc 4,35-41; Lc 8,22-25)

a história

Estes três relatos apresentam entre si diversos factos comuns, cuja articulação temporal na narração também, de um modo geral, muito se aproxima. Deste modo, poderemos dizer que a história, aquilo que é, é comum aos passos em questão. Nela, Jesus entra na barca com os discípulos e, estando a dormir, a barca é assolada por uma tempestade com fortes ventos e uma grande ondulação que invade a barca onde iam. É então que os discípulos, assolados pelo medo de perderem a vida, acordam Jesus, e Ele ordena o vento e o mar, que às suas palavras se aclamam, e questiona os discípulos da sua pouca fé. Esta história termina com estes homens a questionarem-se entre si sobre a identidade de Jesus, aquele a quem os ventos e o mar obedecem.


os discursos

Ao nos debruçarmos sobre o modo como cada evangelista em causa conta esta mesma história, somos confrontados com composições ligeiramente diferentes, que nos demonstram o modo particular com os autores sentiram, trabalharam, e exprimiram estes elementos.

Buscando estas particularidades, vemos que o autor do Evangelho de Marcos é o único que coloca Jesus a interpelar o porquê do medo dos discípulos e a evidenciar a pouca fé deles, logo após estes o acordarem e antes de acalmar a tempestade. Por outro lado, este mesmo Evangelho coloca os discípulos a dirigirem-se a Jesus tratando-o por “Senhor”, ao contrário de Marcos e de Lucas, nos quais Jesus é tratado por “Mestre”.

Observando o Evangelho, que é tido como o mais minimalista, o de Marcos, somos brindados, ao contrário do que poderíamos esperar, com pormenores que nos deliciam a história e que outros evangelista não referem. Logo ao início, encontramos um pormenor temporal, já era ao cair da tarde e, além do mais, havia mais barcos para além da barca onde ia Jesus. Mas o autor vai ainda mais longe e apresenta-nos também o lugar onde Jesus ia a dormir (na poupa do barco e sob um travesseiro). É interessante ver também o modo como os discípulos acordam o Mestre. A Ele se dirigem e o interpelam de um modo interrogativo, um pouco directo e não tão burilado, quando comparado com os outros dois relatos, evidenciando uma reacção primária e um grande temor por parte dos discípulos. O caso não seria para menos. Por fim, este autor sinóptico é o único que nos apresenta as palavras com que Jesus, imperativamente, se dirigiu aos ventos e às águas.

Finalmente, o Evangelho de Lucas é o aquele que explicitamente nos diz que Jesus adormecera enquanto navegavam, isto é, antes de a tempestade se levantar. Tal como Marcos, o autor do Evangelho de Lucas também nos adoça a narração descrevendo-nos um barco, que assolado pela tempestade, se enche de água, dando ao leitor a noção de perigo de vida que os discípulos corriam, fazendo crescer nele, uma tensão dramática só saciada com Jesus, aquele em quem aqueles homens viram que valia a pena crer.


tabela comparativa

Mateus 8,23-27

Marcos 4,35-41

Lucas 8,22-25


cair da tarde


“entrou barco e os discípulos acompanharam-no”

Jesus pede para passar para o outro lado, deixa a multidão

Jesus sobe para o barco e pede “passemos à outra margem do lago”


havia outros barcos com ele




“enquanto navegavam adormeceu”

“agitação no mar, de modo que o barco era barrido pelas ondas”

tempestade de vento, agua invadiu a barca

tempestade de vento, o barco enchia-se de água e eles corriam perigo

Jesus dormia

Jesus estava na poupa, dormindo sob o travesseiro


Discípulos aproximam-se a acordam Jesus: “Senhor, salva-nos, estamos perecendo?”

“Mestre, não te importas que pereçamos?

“Mestre, mestre, estamos perdidos!”

“porque tendes medo, homens de pouca fé?”



põe-se de pé, conjura os ventos e o mar

“Silêncio! Quieto!”

Jesus levanta-se, conjurou severamente o vento e o tumulto das ondas

grande bonança

grande bonança

bonança


“Porque tendes medo? Ainda não tendes fé?”

“Onde está a vossa fé?”

Homens espantados “quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem’”

Homens com medo “quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem’”

com medo e espantados diziam: “quem é este, que manda até nos ventos nas ondas, e eles lhe obedecem?”

ESQUEMA QUINARIO - MARCOS 10-46,52

1 - SITUAÇÃO INICIAL

V.46 - Descreve o caminho de Jesus e dos seus discípulos, depois de chegarem a Jericó e quando iam a sair com a multidão, há um cego de nome Bartimeu que estava sentado á beira do caminho

  • A descrição desta situação inicial é muito clara e concreta, situa logo; o caminho, o local da acção, a multidão e o cego.

2 – MOMENTO DO NÓ

V.47 - O cego ouviu dizer que se tratava de Jesus e começou a gritar «Jesus tem misericórdia de mim»

V.48 - A multidão repreendeu-o. Para o calar e ele voltou a gritar o mesmo «tem misericórdia de mim»

  • O problema do cego foi exposto, assim como a reação de todos que o rodeavam que também foi dita qual era, tanto o problema do cego como o da multidão foi explicado.

3- ACÇÃO TRANSFOFORMADORA

V.49 - Jesus parou e disse: «Chamai-o» a multidão chamou o cego e disseram-lhe «coragem levanta-te que Ele chama-te»-

V.50 - E ele tirou fora a capa deu um salto e foi ter com Jesus.

  • Esta acção transformadora deu-se porque Jesus o ouviu e disse à mesma multidão que o fosse chamar. O encontro desejado pelo cego, estava próximo e ele reage rapidamente para ir ter com Jesus.

4 - O DESENLACE

V.51 - Jesus pergunta-lhe: «Que queres que te faça?» «Mestre que eu veja» respondeu o cego.

  • Nesta altura o problema do nó assim como a continuação da acção transformadora é concretizado com uma pergunta e uma resposta. O encontro do cego com Jesus realiza-se e o diálogo estabelece-se.

5 - SITUAÇÃO FINAL

V.52 - Jesus disse-lhe: «Vai a tua fé te salvou» e logo ele recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho.

  • Este ponto5 liga na parte final os pontos 2.3,e 4, resolvendo toda a tensão desta narrativa. Restitui a vista ao cego curando-o. O problema dele foi resolvido. A fé e a persistência dele salvou-o, Bartimeu a partir desse momento segue Jesus pelo caminho.

CLASSIFICAÇÃO DA INTRIGA

Nesta intriga depois do exposto e contado todo o problema, surge a resolução do mesmo

Sabe-se a situação do cego e da sua insistência, no pedido para ser curado, e da intervenção final de Jesus que o cura.

No ponto 5,na situação final surge a revelação.

Jesus cura-o porque reconhece a fé do cego Bartimeu e é esta fé que o salva. Acabando este por seguir o caminho com Jesus o seu Salvador.

AS PERSONAGENS

Na classificação das personagens esta a multidão que primeiro repreende o cego e o manda calar, mas depois a meio da narrativa já o vai chamar.

A multidão mudou a sua atitude. São personagens redondas.

Mudam o seu comportamento e passam de. opositores a adjuvantes

O cego, mantém-se com a mesma atitude, pede ajuda, não desiste, volta a pedir e insiste que quer ser curado, ele acredita que é possível a cura, acabando por recuperar a vista e seguir Jesus.

É uma personagem que não muda o seu comportamento, é plana e adjuvante.