terça-feira, 5 de outubro de 2010

Análise Narrativa 2.1

Micro-relato Mt 22, 1-14 da Sequência Narrativa de Mt 21, 23-23,1-39.


« 1Tendo Jesus recomeçado a falar em parábolas, disse-lhes: 2«O Reino do Céu é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. 3Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. 4De novo mandou outros servos, ordenando-lhes: ‘Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.’ 5Mas eles, sem se importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. 6Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. 7O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade. 8Disse, depois, aos servos: ‘O banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.’10Os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. 11Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que não trazia o traje nupcial.12E disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’ Mas ele emudeceu. 13O rei disse, então, aos servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’ 14Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.».


Neste micro-relato de São Mateus podemos considerar que o narrador é extradiegético. Neste texto Jesus conta, no Templo aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, uma parábola sobre o Reino de Deus e quem pode tomar parte nele tendo em conta as condições que é necessário possuir para o efeito. Esta parábola compara o Reino de Deus a um banquete nupcial que o rei mandou preparar para o seu filho. Estando o banquete preparado mandou os servos chamar os convidados, mas estes mostraram não ser dignos de nele participar, pois uns não quiseram ir e outros escusaram-se com outros afazeres chegando a matar os enviados do rei. Ora, o rei enfurecido mandou os seus exércitos para matar os homicidas. Ao mesmo tempo enviou então os servos chamar pelos caminhos da cidade todos os que se encontrassem por lá – bons e maus. Tendo eles chegado o rei reparou que um deles, que estava à mesa, não trazia a veste própria para a festa, então foi expulso porque não era digno.
No que ao texto diz respeito importa salientar que as personagens colectivas são, implicitamente os príncipes dos sacerdotes e os anciãos, explicitamente colectivas são os convidados, os servos e todos os que foram encontrados nos caminhos. Personagens pessoais são Jesus, o rei e o conviva que é lançado nas trevas exteriores. Do ponto de vista da focalização o texto denota uma focalização iminentemente externa. A intriga deste micro-relato é inequivocamente de revelação, pois o Filho do Rei é Jesus e o banquete nupcial é o Reino de Deus que o próprio Jesus anuncia e somente aqueles que Ele chama e escolhe poderão tomar parte no Banquete do Reino.
Utilizando ainda o esquema quinário constatamos que:

a) Situação inicial: Neste micro-relato de Mateus a descrição da situação inicial é breve: «2Tendo Jesus recomeçado a falar em parábolas, disse-lhes: «O Reino do Céu é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho».

b) Nó: «3Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. 4De novo mandou outros servos, ordenando-lhes: ‘Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.’ 5Mas eles, sem se importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. 6Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos.». O nó diz respeito à negação por parte dos convidados ao convite que o rei lhes dirige, chegando ao ponto de alguns do convidados matarem os servos enviados pelo rei.

c) Acção Transformadora: A acção transformadora, que consiste na eliminação da dificuldade criada, parece consistir num duplo movimento: primeiro quando o rei manda matar os convidados homicidas e indignos: «7O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade.»; em segundo lugar quando envia à cidade os servos para que convidem outros convidados, o que encontrarem nos caminhos, para o banquete: « 8Disse, depois, aos servos: ‘O banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.».

d) Desenlace: O desenlace diz respeito ao facto da sala ter ficado cheia de convidados: «10 e a sala do banquete encheu-se de convidados.».

e) Situação Final: «11Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que não trazia o traje nupcial.12E disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’ Mas ele emudeceu. 13O rei disse, então, aos servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’ 14Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.». A presente situação final é incomum, uma vez que aparenta ser constituída por um nó e uma acção transformadora, uma vez que nesta situação final o rei entra na sala para ver os que estavam à mesa e repara que um deles está sem a veste nupcial (nó) o que conduz a que este seja expulso do banquete e da casa (acção transformadora), porque muitos são chamados, mas poucos são os escolhidos para o banquete do rei.

f) Enquadramento:

f.1) Espaço:

Relativamente ao espaço este adquire no presente micro-relato a dimensão topográfica de uma cidade pois o rei manda matar os homicidas e incendiar a cidade (Mt 22, 7). Depois os servos percorrem os caminhos ao encontro dos convidados dignos (Mt 22, 9) e ainda, quando alguns dos primeiros convidados se recusam, é-nos dito que um deles foi para o campo no qual tinha uma casa (Mt 22, 5).
Temos pois que num primeiro momento a narração desenvolve-se num espaço exterior (cidade, nos seus caminhos) para num segundo momento, escolhidos os convidados, decorrer num espaço interior circular, a saber, a casa do rei, mais concretamente, à mesa no banquete nupcial (Mt 22, 3 e Mt 22, 10). Estamos perante uma oposição simbólica entre os espaços: um vertical e exterior, a cidade, os caminhos; e outro circular e interior, a sala do banquete da casa, onde estão os convivas dignos. Ora, o rei envia os seus servos, num primeiro momento, aos convidados que conhecia, de quem possivelmente seria amigo para que estes tomem parte a boda nupcial de seu filho. No fundo convida-os para sua casa, para a sua intimidade, para tomarem parte da sua alegria, para partilharem a mesma mesa, mas estes convidados mostram não ser dignos.
Há um primeiro movimento do interior da casa do rei para o exterior, ou seja, o rei é quem toma a iniciativa de convidar, para haver num segundo momento um movimento do exterior para interior da casa, para a intimidade, para a festa, para a alegria do banquete nupcial. Nesta alegria, nesta intimidade tomaram parte não os primeiros que se mostraram indignos e que por isso não foram escolhidos ainda que chamados, mas outros que foram chamados e escolhidos (Mt 22, 3-10).
Ao mesmo tempo o texto diz-nos que nos espaços próprios temos de ter a veste própria, sob pena de se ser posto fora (Mt 22, 11-13). Não se pode ir para um determinado espaço de qualquer maneira. Um dos requisitos do ser chamado e escolhidos diz respeito às condições que é necessário ter para que tal aconteça e para que se possa tomar parte na mesa nupcial. Quem entra de modo inadequado é lançado fora, no exterior. É posto fora da intimidade, posto fora da partilha que acontece no interior da casa, à mesa, no banquete nupcial.


f.2) Tempo:
No que ao tempo diz respeito este micro-relato não faz qualquer referência ao tempo mortal (cronológico) nem ao tempo em sentido metafórico. Poderá este silêncio sobre o tempo querer dizer que tal acontecimento tem ou pode ter um alcance universal como se sugere em Cómo leer los relatos bíblicos, p.127 a propósito de outro texto de outro Evangelho? Ainda que não seja explícito o enquadramento temporal não se pense que ele não existe, pois está presente de modo implícito uma vez que percebemos por meio do relato que o tempo é em forma de sumário, ou seja, o tempo do relato é menor que o tempo da história, porque não existem dúvidas de que tudo o que aconteceu demoraria muitos mais tempo do que o tempo em que nos é relatado. O sumário pretende acelerar a narração, sendo ao mesmo tempo sintético, isto é, atendo-se ao fundamental.









Sem comentários:

Enviar um comentário