quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Um olhar sobre o Evangelho de Mateus e de Marcos

Ao olhar estes dois Evangelhos Sinópticos, Mateus e Marcos, podemos como que dizer quem têm muitas coisas em comum, contudo também na sua forma redaccional podemos encontrar algumas diferenças, as quais advêm de várias razões. Primeiro, serem autores diferentes, dando origem, por isso, a formas diferentes de desenrolar a narrativa. Também a intencionalidade da narrativa, o para quem é dirigida é um factor importante. O Evangelho é também resultado do leitor, pois numa história escolhe-se o mais importante, deixando uma grande parte reservada à imaginação do leitor. Contudo o ponto de partida do Evangelho é uma fé enraizada na história.
Assim, estes Evangelhos são escritos sob o mesmo olhar contudo Marcos conta os mesmos acontecimentos mas de forma menos desenvolvida que Mateus. As perícupes de Marcos são simples e pequenas à como que um relato económico. O Evangelho de Marcos adquire velocidade, o leitor não tem descanso na tentativa de encontrar Jesus, este é como que escrito à pressa. Marcos apresenta um Jesus itinerante, não sabemos onde Jesus está. A grande questão deste Evangelho é saber onde está Jesus. Pois este no seu Evangelho é aquele que escapa, o que deambula de um lado para o outro, nem os próprios discípulos o conseguem acompanhar.
Em Mateus a mobilidade de Jesus é constantemente travada por discursos, é um Jesus mais estático. O desenrolar do Evangelho é mais estruturado e organizado, construído em volta de cinco grandes discursos, os quais usa para fundar a nova aliança em Jesus. Aqui, o Mestre, sabemos onde está e que a condição do discípulo é segui-lo, dando-se assim a conhecer para que o sigam.
Olhar o relato da Transfiguração é mais uma vez dar conta das diferenças entra estes dois evangelistas. Em Mateus (Mt 17, 1-13) os discípulos são os que percebem e entendem Jesus, em Marcos (Mc 9, 2-13), sucede o inverso, os discípulos não entendem. Jesus fala da ressurreição e os discípulos começam a discutir sobre o que será isso. O Evangelho de Marcos reporta-nos para as perguntas, elabora uma construção ao jeito de perguntas. Até à experiência do túmulo vazio, onde está Jesus? Mateus é uma leitura de saciedade, de um excesso que se torna em redundância, tudo é muita informação, o que não sucede com Marcos.
Ao ler o Evangelho de Marcos este como que cria fome ao leitor, não o deixa respirar, apresenta um sucessivo desenrolar de acontecimentos que não deixam o leitor respirar. Mateus, podemos dizer que surge em contra ponto onde tudo é saciedade, Mateus dá-nos em abundância, em excesso. Assim, este Evangelho apresenta-se como mais favorável ao trabalho do leitor. Dá ao leitor como que uma sensação de descanso onde sentado pode estar a ouvir Jesus o que não acontece em Marcos. Poder-se-á ainda dizer que Mateus é um Evangelho de edificação de Igreja pois apresenta grandes sínteses catequéticas.
O Evangelho de Mates dá segurança ao leitor, não o faz sentir-se perdido no desenrolar da narração, devido com certeza às suas redundâncias. É como que um excesso de informação, uma saturação positiva do conhecimento que Jesus vai dando aos seus discípulos. É uma leitura segura e controlada, tudo tem o seu tempo e lugar próprio para ser contado. Apreende-se em Mateus a preocupação do narrador em introduzir a história, é uma leitura orientada. Mateus é um mestre intransigente. Em Mateus Jesus não está a fugir mas é o mestre. Este transforma o relato em discurso cheio de autoridade e que não deixa dúvidas. Tem como estratégia a saciedade, o leitor amplamente formado.
Do ponto de vista literário o texto de Mateus é muito bem organizado, daí a sua primazia no cânone, mesmo sendo mais antigo o de Marcos. O que está em causa é o programa teológico criado pelo autores que visa criar unidade. Pois o cento dos Evangelhos é uma pessoa. O Cristo Ressuscitado é o Cristo humano, e é isso que os Evangelhos nos narram procurando rebater uma posição gnóstica. Os Evangelhos, mesmo apresentando em si alguns aspectos onde podem ser contraditórios, são mais do que isso, pois têm também objectivos diferentes. Poder-se-á dizer que o Evangelho de Marcos não está depurado, este trabalho será feito por Mateus e Lucas. Os hiatos, lacunas, esquecimentos, o enigma, a indeterminação que temos nos Evangelhos fazem parte do processo de Revelação. Perante os Evangelhos, percebemos que Jesus é reconhecível, mas eles narram a impossibilidade de O compreender.

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