sábado, 1 de janeiro de 2011

Mas vós, quem dizeis que Eu sou?

Estudo comparativo de Mt 16, 13-20, Mc 8, 27-30 e Lc 9, 18-20

Mt 16, 13-20

Mc 8, 27-30

Lc 9, 18-21

13Ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «Mas vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.»

17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

20Depois, ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias.

27Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» 28Disseram-lhe: «João Baptista; outros, Elias; e outros, que és um dos profetas.»

29«Mas vós, quem dizeis que Eu sou?» – perguntou--lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» 30Ordenou-lhes, então, que não dissessem isto a ninguém.

18Um dia, quando orava em particular, estando com Ele apenas os discípulos, perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» 19Responderam-lhe: «João Baptista; outros, Elias; outros, um dos antigos profetas ressuscitado.»

20Disse-lhes Ele: «Mas vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «O Messias de Deus.» 21Ele proibiu-lhes formalmente de o dizerem fosse a quem fosse


Nos três sinópticos, Jesus, estando sozinho com os seus discípulos, faz-lhes duas perguntas, ao contrário do que era costume na tradição judaica, em que eram os discípulos que faziam perguntas ao mestre.

Mateus situa a acção ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Marcos diz que Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe e é no caminho que lhes faz as perguntas, e Lucas situa-a no contexto da oração de Jesus em particular, não dando indicações geográficas. Nos primeiros dois sinópticos, a geografia corresponde a território pagão.

A primeira pergunta que Jesus lhes faz apresenta diferenças de pormenor nos três sinópticos. Em Mateus e Marcos a primeira parte da pergunta é igual: ‘Quem dizem os homens’, enquanto que em Lucas aparece: ‘Quem dizem as multidões’. A segunda parte da pergunta é igual em Marcos e Lucas: ‘que Eu sou?’, enquanto que Mateus diz ‘que é o Filho do Homem?’.

A resposta dos discípulos é idêntica nos três sinópticos, sendo que Mateus refere explicitamente Jeremias como exemplo de um dos profetas.

Se até aqui há variações, na segunda pergunta que Jesus faz aos discípulos, a formulação é exactamente igual nos três evangelhos: u`mei/j de. ti,na me le,gete ei=naiÈ Mas vós, quem dizeis que Eu sou?’

Também nestes três evangelhos é Pedro que toma a palavra e a resposta surge com pequenas variantes, sendo que uma constante se mantém: em todos os sinópticos Pedro diz que Jesus é o Messias (em Lucas acrescenta ‘de Deus’, em Mateus ‘o Filho do Deus vivo’).

em Mateus Jesus responde a Pedro felicitando-o pela revelação divina que teve, mudando-lhe o nome, edificando sobre ele a Igreja e confiando-lhe as chaves do Reino dos Céus.

O último versículo é comum aos três sinópticos. Com algumas variantes, Jesus proíbe os discípulos de dizer que Ele é o Messias.

Os três relatos são muito semelhantes, a diferença mais evidente são os versículos 17-19, próprios de Mateus. A semelhança mais perfeita é a segunda pergunta de Jesus, aquela que Jesus dirige especificamente aos discípulos. Salta à vista que esta seja a única frase exactamente igual nas três perícopes. Esta pergunta introduz uma viragem, uma vertigem. É a passagem do geral ao particular, da posição distanciada do que dizem os outros, os de fora, à tomada de posição que implica aqueles que são íntimos, na sua relação pessoal com Jesus. À primeira pergunta, nos três evangelhos, respondem os discípulos, à segunda os três evangelistas referem que é Pedro que toma a palavra. A primeira pergunta permite uma resposta distanciada não só relativamente à tomada de posição dos próprios discípulos face à identidade de Jesus, mas também destes face à opinião das multidões.

A segunda pergunta, na sua formulação lapidar, inaugura uma surpresa e é plena de consequências para os discípulos. Não será seguramente por acaso que imediatamente em seguida Jesus faz o primeiro anúncio da Paixão, tanto em Mateus como em Marcos como em Lucas. O reconhecimento da identidade de Jesus não é apenas de ordem cognitiva, pressupõe uma disponibilidade de conformação com o seu destino, do ponto de vista existencial.

A resposta de Pedro, que diz que Jesus é o Messias, é a tese cuja veracidade os evangelhos, ao longo da sua construção, vão tentar provar e, no entanto, Jesus proíbe os discípulos de o divulgar. O que está em causa não é um discurso sobre Jesus, mas o apresentá-lo à luz da declaração de Pedro. Parece uma reacção paradoxal. Porém, embora Pedro, em nome dos discípulos, tenha dado a resposta certa, por assim dizer, ainda não percebia o alcance disso mesmo que tinha dito. É perfeitamente verdade que Jesus seja o Messias, mas é totalmente falso que o seja do modo como eles o imaginavam. Neste momento ainda não estavam em condições de suspeitar, por mais remotamente que fosse, da loucura e das consequências da messianidade de Jesus. Primeiro terão de passar pelo escândalo da cruz e recomeçar tudo de novo a essa luz para o poderem ir vislumbrando pouco a pouco, para se irem libertando dos seus pressupostos e se irem abrindo ao projecto de Deus, para irem saindo de si, da sua lógica, da sua medida e irem entrando na lógica e no mistério da misericórdia de Deus.

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