quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Diferencias entre os Evangelhos Sinópticos

Evangelho Segundo São Marcos
O evangelho segundo são Marcos começa com um primeiro grupo constituído pela pregação de João Baptista (Mc 1, 1-8); o baptismo de Jesus (Mc 1, 9-11) e as tentações no deserto (Mc 1, 12-13). Diferencia-se assim de Mateus e Lucas desde um primeiro momento já que apresentam ambos um evangelho da infância ausente em Marcos.
O projecto teológico de Marcos mostra como o messianismo despojado de Jesus resulta decepcionante. Há contudo, um primeiro momento onde a recepção da mensagem – O Reino de Deus – e das acções de Jesus é positiva, principalmente entre os últimos da sociedade; através destes sinais Marcos começa a desvelar o mistério da pessoa de Jesus. (Mc 3, 7-12) Perante a falta de receptividade Jesus consagra-se à formação de um grupo – Mc 3, 13-19 – de discípulos que permaneçam com ele. A confissão de fé de Pedro – Mc 8, 27-30 – representa um momento de viragem a partir do qual todo se encaminha para Jerusalém, sinónimo da Paixão. As tensões aumentam progressivamente – Mc 12, 1-12 – até o acontecimento da Cruz.
Para Marcos Jesus é o messias crucificado. Este crucificado é o Filho de Deus, assim é reconhecido pelo Pai – Mc 1, 11 – e até pelos próprios demónios. (Mc 1, 24) Paradoxalmente não é identificado por aqueles a quem se dirigia de forma directa, mas pelos que estavam fora das promessas de Israel. (Mc, 15, 39) Para os do seu povo este homem resulta escandaloso (Mc 6, 1-6).
O carácter essencialista da narrativa faz com que a descoberta da natureza divina de Jesus seja um processo progressivo que se encerra ao mesmo tempo, entre a quotidianamente e a dimensão sobrenatural da sua pessoa.
Um outro aspecto de singularidade na obra de Marcos é o seu final considerado por muitos como incompleto ou quanto menos abrupto. De facto, o final conserva até o fim o traço enigmático presente ao longo de toda a narrativa. Em Mc 16, 1-8 não encontramos as narrativas pós-ressurreição. Um outro aspecto desconcertante é o facto de as mulheres não dissessem nada do seu encontro com a figura celestial que lhes anuncia a ressurreição de Jesus. O final de Marcos está relacionado com a sua preocupação – transversal a todo o texto – em relação ao segredo messiânico que revela por contradição no silêncio daquilo que não é dito manifestamente a realidade sobre a pessoa de Jesus.

Evangelho Segundo São Mateus
O plano do evangelho de São Mateus é muito mais elaborado – embora contenha também aspectos como os que anteriormente sublinhamos em Marcos. Já em termos de estruturação nota-se uma intencionalidade da parte do autor ao organizar todo o seu material em cinco grandes discursos. Este Corpus está precedido pelo chamado Evangelho da infância e atinge o seu clímax na narrativa da Paixão e nos relatos dos acontecimentos pós-pascais. Todo o conjunto denota uma elaboração sistemática por parte do autor, que visa um determinado projecto teológico.
O evangelho de Mateus foi escrito no contexto do judaísmo sinagogal e da Torá, contemporâneo da jovem Igreja e altamente contestatário à nova religião que se atribui para si um carácter universalista. Mateus transfere habilmente este confronto para os tempos de Jesus – isto não implica que o Jesus de Mateus seja uma espécie de criação híbrida, sem historicidade – evidenciando que a problemática da distinção significava sobretudo a subsistência do cristianismo. Contudo – e aqui vemos traços claros de historicidade da pessoa de Jesus – Mateus não percebe Jesus sem o judaísmo. Isto significa que o Jesus de Mateus é antes de mais um judeu. No entanto, Jesus é sumamente crítico face a um judaísmo desencarnado, e exterioricista.
Neste contexto Mateus mostra na pessoa de Jesus o cumprimento das Escrituras, das promessas feitas a Israel. De facto, momentos clave como os sinais que manifestam a condição messiânica de Jesus são colocados em referência às Sagradas Escrituras. Assim por exemplo: «Ao saber isto, Jesus retirou-se daí. Muitos lhe seguiram e os corou a todos. Mandou-lhes energicamente não dizer nada a ninguém; para se cumprisse o oráculo do profeta Isaías: Eis o meu Servo a quem elegi, meu Amado, em quem minha alma se encontra a sua complacência…» (Mt 12, 15ss) Não deixa de ser um facto significativo que seja Mateus o evangelista que mais cita as Sagradas Escrituras.
A cristologia de Mateus é também muito mais trabalhada. Dois exemplos dos títulos cristológicos do evangelho são: Jesus como o Mestre, aquele que ensina, possuidor de uma singularíssima sabedoria. Um outro título estimado para Mateus é Messias, contudo, é necessário sublinhar que também Lucas não identifica o messianismo de Jesus com um messianismo glorioso de teor político, mas sobretudo com um messianismo de libertação, de salvação, principalmente dos últimos da terra que introduz a nova realidade do Reino de Deus.
Seja pelos motivos que salientamos aqui – e por muitos outros que não são referidos – o evangelho de Mateus como obra de conjunto foi desde sempre considerado o evangelho, sem dúvida trata-se de uma obra completíssima que evidencia a grandeza do seu autor, mas sobretudo a profunda percepção do mistério de Jesus, rasgo que se manifesta em todos os sinópticos de diversas formas.

Evangelho Segundo São Lucas
Um primeiro rasgo característico do texto lucano é o seu prólogo – Lc 1, 1-4 – que dá à obra uma originalidade singular. O evangelho constitui o primeiro volume da sua obra que consta também dos Actos dos Apóstolos. Ora, a originalidade à qual nos referimos não deva ser entendida em termos de materiais – o seu plano segue Marcos embora transponha algumas narrativas e omita outras – mas em termos de disposição.
Há em Lucas um aspecto do seu projecto teológico que é particular: Jerusalém é o lugar – Cidade Santa – onde se deve cumprir a salvação. O versículo trinta e um do capítulo nono – entre outros – salienta esta ideia ao referir no contexto da transfiguração que Moisés e Elias falavam com Jesus daquilo que sucederia em Jerusalém. É na Cidade Santa onde começa o evangelho – Lc 1, 5ss – e é aí onde concluirá com as narrativas pós-pascais – Lc 24, 33-35 – e por último é daí que sairá a evangelização para todas as nações – Lc 24, 47 – como mandato evangélico de Jesus.
Uma narrativa única do evangelho lucano é a narrativa dos discípulos de Emaús, que sublinha um dos aspectos particulares do evangelho lucano como um evangelho visual e que ao mesmo tempo condensa os grandes intuitos teológicos transversais a todo o texto tais como: a necessária passagem da visão para a fé que significa uma nova forma de ver os acontecimentos; o conhecimento de Jesus como um conhecimento relacional que implica uma necessária abertura ao seu mistério; Jesus é aquele sobre o que repousa o Espírito de Deus, é o ungido de Deus vindo de Nazaré; Jesus é o profeta poderoso em obras e palavras esperança de Israel, do novo Israel.
Lucas insiste também na necessidade de um abandono absoluto e confiante perante o mistério de Jesus, como condição para o seu seguimento – Lc 14, 25-34 – por outra parte insiste também na necessidade da oração por exemplo Lc 11, 5-8.
Um último elemento a sublinhar é a importância dada por Lucas à dimensão pneumática transversal a toda o macro-relato: «porque será grande perante o Senhor; não beberá vinho nem licor; estará cheio do Espírito Santo já desde o seio materno.» (Luc 1, 15); «Naquele momento encheu-se de gozo no Espírito Santo e disse: “Eu te bendigo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes estas coisas aos sábios e prudentes e as revelastes aos pequeninos…» (Lc, 10, 21); «Vede que enviarei sobre vós a Promessa de meu Pai. Pela vossa parte permanecei na cidade até serdes revestidos do poder do alto.» (Luc 24, 49)

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