segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os milagres em Marcos: uma dança a “seis tempos” [um olhar sobre Mc 5,35-43]

Lendo os milagres relatados no Evangelho de Marcos podemos encontrar um esquema literário que constantemente se vai repetindo. De facto, esta é uma estratégia literária que torna mais fácil guardar um relato na memória e no coração e depois comunica-lo a outros. Há uma tipificação dos milagres em seis passos. Vejamos esta estrutura no relato da ressurreição da filha de Jairo operado por Jesus, apresentado pelo nosso autor em duas partes: uma em Mc 5, 21-24 e outra em Mc 5, 35-43.

O primeiro passo desta estrutura é caracterizado pelo abeirar do doente ou de uma personagem que pede a cura para alguém. Na primeira parte deste relato, mais precisamente em Mc 5,22, vemos Jairo a tomar a iniciativa e a ir ao encontro com Jesus, que acabara de desembarcar.

Segue-se o momento da petição. Jairo não veio com a multidão apenas para ver ou ouvir Jesus. O eminente perigo de morte da sua filha leva-o a ajoelhar-se aos pés de Jesus e a rogar-lhe afim de que coloque as mãos sobre ela para que ela viva (cf. Mc 5,23).

O terceiro passo é caracterizado pela presença e o galgar de um obstáculo, vencido pela demonstração da fé. Na segunda parte desta narração (Mc 5,35-43) este chefe da sinagoga é confrontado com a notícia da morte da filha trazida alguns da sua casa, que assim o tentaram demover da esperança que lhe restava, pois pensam já não haver nada a fazer visto que Jesus e Jairo demoraram-se mais do que o devido (cf. a cura, entretanto realizada em Mc 5,25-34, da mulher que sofria de uma hemorragia). Porém, a fé deste homem é fortalecida com as palavras de Jesus: “Μὴ φοβοῦ, μὀνον πίστευε”.

Outro passo desta estrutura é o agir de Jesus por palavras ou por gestos. Esta epifania do poder de Jesus realiza-se neste episódio no tomar a menina pela mão e pelas palavras a ela dirigidas: “Ταλιθα κουμ” (Mc 5,41).

Imediatamente somos conduzidos ao penúltimo passo, o efeito desta acção. Do agir “vital” de Jesus a menina levanta-se, como se daquele “sonho” despertasse, e começa a deambular (Cf. Mc 5,42).

Esta estrutura narrativa fica completa com a reacção despoletada. O caso não era para menos. Aqueles que choravam (cf. Mc 5,39), que se riram de Jesus (cf. Mc 5,40), e todos os outros que observaram o milagre “ficaram de sobremaneira admirados”, a ponto de Jesus lhes ordenar, com muito insistência (“διεστεἰλατο αὺτοῖς πολλἀ”), para que não contassem nada disto a ninguém (Cf. Mc 5,43).

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