segunda-feira, 15 de novembro de 2010

No enquadramento de Lucas 14,1-6 [análise do espaço e do tempo]

Numa leitura atenta deste passo do Evangelho de Lucas, que nos reporta à cura de um hidrópico a um sábado, importa também olharmos ao enquadramento desta narração. Nele o leitor atento, ao dar-se conta da atmosfera criada na qual a história se desenrola, desenvolve uma relação mais próxima com o texto e com a mensagem que nele se “pinta” e que se quer dar a conhecer.

O espaço

Foquemos o nosso olhar para as coordenadas espaciais nas quais se desenrola a acção.

A nível topográfico, no que respeita à localização da casa onde Jesus se encontra, nenhum dado explícito é-nos oferecido pelo texto. Porém, tendo em atenção que no capítulo anterior Jesus se encaminha determinadamente em direcção a Jerusalém, com o risco de perder a sua própria vida (cf. Lc 13,22 e Lc 13,31-33), e que em passos posteriores a este em análise Jesus encontra-se ainda em viagem pelo meio da Samaria e da Galileia (cf. Lc 17,11) declarando em Lc 18, 31 a intenção de subir para Jerusalém com os doze, o que se realiza em Lc 19,29 onde Jesus se encontra em Betfagé, Betânia, poderemos dizer que a casa deste fariseu situa-se algures entre região da Samaria ou da Galileia.

A acção, onde o leitor é também convidado a entrar, decorre dentro de uma οἶκός de um dos líderes dos fariseus. É nesta casa que o autor bíblico quer enquadrar a mensagem de Jesus. Em poucos versículos o leitor é convidado a mover constantemente o seu olhar em movimentos horizontais e circulares e, de um modo curioso, a olhar constantemente para Jesus e para os convivas presentes. Os verbos da narração e do diálogo a isso nos convidam - Jesus “entrou na casa”; as pessoas que lá estavam “olhavam para Jesus com muita atenção”; Jesus vê “diante de si” (ἔμπροσθεν αὐτοῦ) um hidrópico; dirige-se para ele; depois fala para os mestre da lei e os fariseus; estes ficam quietos, nada dizem (οἰ δὲ ἠσύχασαν); Jesus “toma” o doente, “cura-o” e “despediu-o”; e no final Jesus fala-lhes novamente; eles não conseguem responder-lhe. É interessante reparar neste pormenor espacial onde decorre este episódio, a οἶκός do fariseu. É na casa deste homem, fiel à ortodoxia judaica, cumpridor das suas leis, que Jesus suscita a conversa em torno da proibição de curar ao sábado, e ainda por cima, transgride essa própria lei.

O tempo

Dedicando-nos agora à coordenada temporal, é-nos dito explicitamente o momento factual no qual a acção se desenvolve: era um sábado, à hora de uma refeição (σαββάτῳ φαγεῖν).

Podemos dizer também que estamos perante uma cena, pois trata-se uma unidade de acção passada num único local, num determinado momento. A velocidade da narração deste passo evangélico é feita a uma velocidade normal, em que o tempo do relato é traçado sobre a história.

O relato desta cena evoca ainda ao leitor uma outra cura operada anteriormente por Jesus a um sábado, numa sinagoga (Cf Lc 13,1-17). Assim, Lc 14,1-6 é um relato iterativo.

É de salientar que outros elementos de ordem narrativa, como as analepses ou as prolepses, não se encontram neste relato.

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