quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma história a três vozes (Mt 8,23-27; Mc 4,35-41; Lc 8,22-25)

a história

Estes três relatos apresentam entre si diversos factos comuns, cuja articulação temporal na narração também, de um modo geral, muito se aproxima. Deste modo, poderemos dizer que a história, aquilo que é, é comum aos passos em questão. Nela, Jesus entra na barca com os discípulos e, estando a dormir, a barca é assolada por uma tempestade com fortes ventos e uma grande ondulação que invade a barca onde iam. É então que os discípulos, assolados pelo medo de perderem a vida, acordam Jesus, e Ele ordena o vento e o mar, que às suas palavras se aclamam, e questiona os discípulos da sua pouca fé. Esta história termina com estes homens a questionarem-se entre si sobre a identidade de Jesus, aquele a quem os ventos e o mar obedecem.


os discursos

Ao nos debruçarmos sobre o modo como cada evangelista em causa conta esta mesma história, somos confrontados com composições ligeiramente diferentes, que nos demonstram o modo particular com os autores sentiram, trabalharam, e exprimiram estes elementos.

Buscando estas particularidades, vemos que o autor do Evangelho de Marcos é o único que coloca Jesus a interpelar o porquê do medo dos discípulos e a evidenciar a pouca fé deles, logo após estes o acordarem e antes de acalmar a tempestade. Por outro lado, este mesmo Evangelho coloca os discípulos a dirigirem-se a Jesus tratando-o por “Senhor”, ao contrário de Marcos e de Lucas, nos quais Jesus é tratado por “Mestre”.

Observando o Evangelho, que é tido como o mais minimalista, o de Marcos, somos brindados, ao contrário do que poderíamos esperar, com pormenores que nos deliciam a história e que outros evangelista não referem. Logo ao início, encontramos um pormenor temporal, já era ao cair da tarde e, além do mais, havia mais barcos para além da barca onde ia Jesus. Mas o autor vai ainda mais longe e apresenta-nos também o lugar onde Jesus ia a dormir (na poupa do barco e sob um travesseiro). É interessante ver também o modo como os discípulos acordam o Mestre. A Ele se dirigem e o interpelam de um modo interrogativo, um pouco directo e não tão burilado, quando comparado com os outros dois relatos, evidenciando uma reacção primária e um grande temor por parte dos discípulos. O caso não seria para menos. Por fim, este autor sinóptico é o único que nos apresenta as palavras com que Jesus, imperativamente, se dirigiu aos ventos e às águas.

Finalmente, o Evangelho de Lucas é o aquele que explicitamente nos diz que Jesus adormecera enquanto navegavam, isto é, antes de a tempestade se levantar. Tal como Marcos, o autor do Evangelho de Lucas também nos adoça a narração descrevendo-nos um barco, que assolado pela tempestade, se enche de água, dando ao leitor a noção de perigo de vida que os discípulos corriam, fazendo crescer nele, uma tensão dramática só saciada com Jesus, aquele em quem aqueles homens viram que valia a pena crer.


tabela comparativa

Mateus 8,23-27

Marcos 4,35-41

Lucas 8,22-25


cair da tarde


“entrou barco e os discípulos acompanharam-no”

Jesus pede para passar para o outro lado, deixa a multidão

Jesus sobe para o barco e pede “passemos à outra margem do lago”


havia outros barcos com ele




“enquanto navegavam adormeceu”

“agitação no mar, de modo que o barco era barrido pelas ondas”

tempestade de vento, agua invadiu a barca

tempestade de vento, o barco enchia-se de água e eles corriam perigo

Jesus dormia

Jesus estava na poupa, dormindo sob o travesseiro


Discípulos aproximam-se a acordam Jesus: “Senhor, salva-nos, estamos perecendo?”

“Mestre, não te importas que pereçamos?

“Mestre, mestre, estamos perdidos!”

“porque tendes medo, homens de pouca fé?”



põe-se de pé, conjura os ventos e o mar

“Silêncio! Quieto!”

Jesus levanta-se, conjurou severamente o vento e o tumulto das ondas

grande bonança

grande bonança

bonança


“Porque tendes medo? Ainda não tendes fé?”

“Onde está a vossa fé?”

Homens espantados “quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem’”

Homens com medo “quem é este a quem até os ventos e o mar obedecem’”

com medo e espantados diziam: “quem é este, que manda até nos ventos nas ondas, e eles lhe obedecem?”

Sem comentários:

Enviar um comentário