quinta-feira, 23 de setembro de 2010

História e Discurso

Comparação dos relatos Mt 8, 23-27 // Mc 4, 35-41 // Lc 8, 22-25

Aluno: Paulo Pires

No que toca à história destes três excertos paralelos, esta relata uma viagem feita de barco para atravessar o lago de Tiberíades (não explícito nos relatos), cujos personagens principais são Jesus e os seus discípulos. A narrativa avança relatando o levantamento de uma tempestade cuja violência punha em risco a vida dos que iam a bordo da(s) embarcação(ões). Impelidos pelo medo, os discípulos precipitam-se a recorrer a Jesus, que dormia. Segue-se então a acção de Jesus sobre a tempestade, acalmando-a. O relato termina fazendo referência à admiração dos discípulos diante do facto presenciado e a sua dúvida sobre a identidade de Jesus.

Se esta é, em breves linhas o cerne da história, todavia quando atentamos a cada um dos relatos vamos encontrar diferenças na forma como cada um dos evangelistas relata o acontecimento, isto é, deparamo-nos com diferenças de discursos.

Para nos ajudar a avaliar mais pormenorizadamente os diferentes relatos quanto ao seu discurso, iremos prosseguir seguindo a lógica quinária, apontando as particularidades de cada relato em cada etapa.

1. Situação inicial: Nesta parte temos o relato sobre o início da viagem. Ora, aquilo que imediatamente reparamos é uma gradação do volume de elementos descritivos, que segue uma ordem inversa à esperada, ou seja, que a descrição de Mc fosse mais breve que os outros Evangelhos. Assim temos, por ordem crescente: «Depois subiu para o barco e os discípulos seguiram-no.» (Mt 8, 23); «Certo dia, Jesus subiu com os seus discípulos para um barco e disse-lhes: “Passemos à outra margem do lago.” E fizeram-se ao largo. Enquanto navegavam, adormeceu.» (Lc 8, 22-23); «Naquele dia, ao entardecer, disse: “Passemos para a outra margem.” Afastando-se da multidão, levaram-no consigo, no barco onde estava; e havia outras embarcações com Ele.» (Mc 4, 35-36).

2. : Mais uma vez, é Mc que aprofunda a descrição do problema que se coloca: a tempestade. «Um turbilhão de vento caiu sobre o lago, e eles ficaram inundados e em perigo. Aproximaram-se dele e, despertando-o, disseram: “Mestre, Mestre, estamos perdidos!”» (Lc 8, 23-24); «Levantou-se, então, no mar, uma tempestade tão violenta, que as ondas cobriam o barco; entretanto, Jesus dormia. Aproximando-se dele, os discípulos despertaram-no, dizendo-lhe: “Senhor, salva-nos, que perecemos!” Disse-lhes Ele: “Porque temeis, homens de pouca fé?”» (Mt 8,24-26); «Desencadeou-se, então, um grande turbilhão de vento, e as ondas arrojavam-se contra o barco, de forma que este já estava quase cheio de água. Jesus, à popa, dormia sobre uma almofada. Acordaram-no e disseram-lhe: “Mestre, não te importas que pereçamos?”» (Mc 4, 37-39). Como podemos constatar, Mc é o único que relata o pormenor de Jesus que dormia sobre uma almofada, bem como o estar prostrado à popa da embarcação. Os Outros Evangelhos surgem-nos mais pobres em elementos descritivos, acentuando a acção.

3. Acção transformadora: Em qualquer um dos relatos, esta acção é curta e imediata, sendo a parte da história (juntamente com o desenlace) que menos difere entre eles. «Então, levantando-se, falou imperiosamente aos ventos e ao mar» (Mt 8, 26); «E Ele, levantando-se, ameaçou o vento e as águas» (Lc 8, 24); «Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: “Cala-te, acalma-te!”» (Mc 4, 39). Dois apontamentos sobre este ponto. Reparamos que Mc tem a preocupação de nos dar a conhecer as próprias palavras que Jesus dirigiu à tempestade; um segundo apontamento diz respeito à particularidade em Mt de colocar a questão pela fé dos discípulos antes de se dirigir à tempestade.

4. Desenlace: Como dissemos, também esta parte da história é relativamente semelhante em todos os relatos e especialmente curta: «e sobreveio uma grande calma.» (Mt 8, 26); «que se acalmaram; e veio a bonança.» (Lc 8, 24); «O vento serenou e fez-se grande calma.» (Mc 4, 39).

5. Situação final: Esta é fundamentalmente constituída pela atitude de admiração dos discípulos diante da tempestade acalmada por Jesus. Porém, como dissemos, a esta admiração junta-se-lhe a questão sobre a fé dos discípulos feita por Jesus, a qual está colocada em Mt antes do evento miraculoso. «Depois disse-lhes: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” E sentiram um grande temor e diziam uns aos outros: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”» (Mc 4, 40-41); «Disse-lhes depois: “Onde está a vossa fé?” Cheios de medo e admirados, diziam entre eles: “Quem é este homem, que até manda nos ventos e nas águas, e eles obedecem-lhe?”» (Lc 8, 25); «Os homens, admirados, diziam: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”» (Mt 8, 27).

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