«14E, passando, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na recebedoria, e disse-lhe: Segue-me. E, levantando-se, o seguiu.»
Neste excerto do Evangelho de Marcos (2,14) aplicamos o esquema quinário para melhor percebermos o que o autor bíblico nos pretende transmitir. Logo no início do relato deparámo-nos com a itinerância de Jesus. Ele vem «passando», de algum sítio para outro. Não nos é referido qual. E nem é essa uma questão central, mesmo sendo Marcos o que coloca Jesus em locais muito diversos num curto espaço de tempo. A subtileza com que o episódio refere o homem que Jesus “viu”, é apanágio de quem o conhece e/ou reconhecido, já que se refere que é “filho de Alfeu”. Conhecer o nome já é coisa grande, mais ainda saber qual a sua proveniência.
Considero que neste versículo temos um nó duplo, primeiro a atitude de estar sentado, em oposição caminhada que Jesus estava a fazer, que depois usaremos como argumento para o levantar-se na fase de desenlace. O segundo nó é a referência à sua função de cobrador (de impostos). Tal como nos dias que correm a questão das finanças é sempre motivo de desagrado. Mais ainda quando os impostos vão para os seus dominadores políticos. E como era costume, por não receberem salário, os cobradores aplicavam percentagens extra aos impostos que revertiam a seu favor.
No meio deste emaranhado Jesus lança-lhe um convite (“Segue-me”). Esta é a acção transformadora. Não houve discussão contratual ou dúvida quanto à força do convite. Podemos imaginar apenas a expressão e o impacto que este “Segue-me” teve em Levi, que se levanta. Dando o quarto passo do nosso esquema e contribuindo para que o verbo em discurso directo seja o mesmo em discurso indirecto. Ao olharmos para os 3 últimos verbos, notamos uma reciprocidade: seguir/levantar/seguir. Este é um bom exemplo da forma como Marcos nos transmite a Boa Nova de Jesus. Neste escritor bíblico encontraram-se outros exemplos, deste «efeito boomerang». Outra característica, que também é comum noutros textos de Marcos, é a sua velocidade narratória, com pouca discrição. Abre-se assim ao leitor as portas à recriação cénica do episódio, as suas expressões faciais, como o espando, a resposta imediata sem olhar ou matutar nos aspectos mais comuns da própria personagem.
Recontar o evangelho de Marcos é dar um grato contributo à Teologia Narrativa.
Esquema Quinário | Mc 2,14 |
Situação inicial | E, passando, viu Levi, filho de Alfeu, |
Nó | sentado no posto de cobrança |
Acção transformadora | disse-lhe: Segue-me. |
Desenlace | E, levantando-se, |
Situação final | seguiu-o. |